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Terapia não é fetiche
Nos últimos anos, tornou-se comum ouvir "que toda a gente devia fazer terapia". As redes sociais, os influenciadores e até mesmo os discursos institucionais reforçam essa ideia: cuidar da saúde mental é importante, a terapia faz bem e deveria ser acessível a todos.

Mas há algo a ser pensado nesse movimento: quando a terapia se torna um imperativo geral, onde fica a subjetividade que ela realmente propõe? Ou será que a terapia corre o risco de se tornar um fetiche, um objeto idealizado, vendido como solução universal para qualquer angústia? 

Na psicanálise, um fetiche é um substituto que evita um confronto mais difícil com a realidade. Ele aparece quando algo é vivido como demasiado angustiante e, para lidar com essa angústia, o sujeito encontra um objeto (um Outro) ou uma ideia que sirva de garrote, de rolha, mantendo, assim, a ilusão de que não há falta, de que não há castração, limites, de que há uma solução definitiva.

No caso da terapia, podemos pensar que a sua fetichização acontece quando ela deixa de ser um processo singular e implicado e passa a ser uma espécie de receita pronta para o bem-estar. Quando alguém diz "devias fazer terapia" como se recomendasse um suplemento vitamínico, está a esvaziar o que a terapia realmente propõe: um percurso que exige compromisso, tempo, pensamento e, muitas vezes, a coragem para lidar com verdades desconfortáveis.

Mais do que um simples hábito de autocuidado, a psicanálise implica um trabalho psíquico real, que não se resume a desabafar ou a receber orientações sobre como viver melhor. Ao fetichizar a terapia, corremos o risco de usá-la para evitar questões mais profundas, colocando nela uma expectativa mágica de resolução rápida para sofrimentos que, na verdade, exigem elaboração.

A sociedade contemporânea tem uma necessidade constante de produzir soluções, de oferecer respostas rápidas e fórmulas para o sofrimento humano. O mal-estar, que é constitutivo da experiência humana, passa a ser visto como um problema que precisa de ser resolvido rapidamente. É nesse contexto que a terapia, assim vista como algo "coisificado", arrisca-se a vir a ser um produto de consumo, mais um item na lista da performance contemporânea do “sucesso”, em vez de ser uma experiência genuína de pensamento e transformação.

Isto não significa que a terapia não deva ser incentivada ou que não tenha valor. Mas talvez seja preciso resgatar o seu sentido original: não como um imperativo social, mas como um espaço de descoberta singular, onde cada sujeito pode, no seu tempo e a partir do seu desejo, colocar-se em questão.




Texto de autoria: Sílvia Baptista

Data: 2025-02-17






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