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A força destrutiva de uma relação abusiva não reside só no abusador. Ela é justamente poderosa porque a perturbação do agressor encontra a perturbação do agredido.
É dessa dança maligna, dessa justaposição de forças que as relações chamadas de tóxicas são feitas, ligações em que a violência e a intimidade coexistem com a mesma força, num mundo privado pejado de dinâmicas conscientes e inconscientes, assente numa complexidade que vai além da nossa compreensão básica.
As configurações são muitas: pais que se unem ativamente e interagem com os filhos de forma perversa e perigosa, casais que se agridem mutuamente, e, o que me parece mais comum: um homem que controla e abusa de uma mulher, ambos fundidos malignamente numa relação que pode ser tão ou mais forte que outras assentes em amor e respeito.
Eu sei que é difícil de compreender, mas, repetindo-me, esta questão só pode começar a ser olhada com mais profundidade quando entendermos que é da dinâmica destrutiva de AMBOS que estas relações são feitas.
Apesar de o homem ser, normalmente, o agressor, há do outro lado alguém igualmente doente que se deixa agredir. E quanto maior a perturbação, mais difícil é separar estes casais, que se alimentam de tudo aquilo que levou, primeiramente, à sua patologia.
São dinâmicas complexas que devem ir além desta polarização agressor-vítima, já que ambos vivem em interdependência estrita, em sofisticados arranjos psíquicos, onde o abuso e a crueldade se tornam a norma.
Quando vi as imagens da Liliana, do Big Brother, perguntei-me: por que razão é que esta mulher acha que isto é aceitável? Onde é que ela aprendeu que, para estar em relação, tem de se apagar? Quem é que lhe mostrou que, para ser amada, tem de se fazer invisível e vazia?
Quando as imagens que nos chocaram a todos lhe foram dadas a ver, ela sorriu. E eis a expressão de uma fragilidade que também é parte deste todo perigoso.
E antes que venham aqui escarrar ódio, isto não é culpar a vítima, é olhá-la no que nela não está bem e que abriu a porta a que agressores entrassem sem pedir licença.
Texto de autoria: Sílvia Baptista
Data: 2023-07-26
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